terça-feira, 5 de julho de 2011

Meu Jogo Inesquecível: 'La Máquina' do River faz Manolo Epelbaum viajar

No país onde hoje é disputada a Copa América, há exatos nove dias o futebol foi como o tango. Drama, paixão e tristeza tomaram conta dos milhões de torcedores do River Plate após o empate por 1 a 1 com o Belgrano, resultado que selou, pela primeira vez em 110 anos de história, o rebaixamento do grande clube para a segunda divisão argentina. Distante do Rio da Prata, o portenho mais carioca procurava conter a emoção. Radicado há 55 anos no Rio de Janeiro, o comentarista do SporTV Manolo Epelbaum, ao passo que criticava, com voz embargada, durante a transmissão da partida, a violência dos mais exaltados com o resultado, vivia situação inusitada. Sentia escorrer de seus olhos, pela primeira vez, em mais de 50 anos de carreira, a lágrima da decepção.
A grandeza de um clube não se mede só por títulos e gols, mas por gestos"
Manolo Epelbaum
Quem o conhece das tardes e noites de coberturas de futebol no Maracanã e em outros estádios está acostumado ao jeito alegre e bem camarada. Torcedor do River Plate, Manolo adotou o Flamengo como paixão brasileira. Além, obviamente, do Rio, para onde se mudou de vez em 1956, fugindo da perseguição política - quando jovem, integrava a ala esquerda do peronismo. Correspondente free lancer de revistas e jornais argentinos, como "Goles", "Clarín", "El Gráfico" e "La Nación", é um arquivo vivo do futebol mais bem jogado do planeta.
Perto de completar 79 anos, Manolo, casado há 51 anos com a brasileira Helena, com quem tem dois filhos cariocas - Alexandre e Sérgio -, viu como poucos o auge de craques brasileiros e argentinos. Confessou a preferência por Pelé como maior de todos os tempos. Ainda teve de aturar a irritação de alguns hermanos ao escalar no seu ataque de todos os tempos três brasileiros e dois argentinos - Garrincha, Zizinho, Di Stéfano, Pelé e Maradona. E admitiu:  durante a transmissão do jogo que transformou o 26 de junho de 2011 no dia mais triste da história do River Plate, lembrava de outros enredos de final feliz; Quinze anos atrás, na mesma data, o clube conquistava pela segunda vez a Libertadores ao bater por 2 a 0 o América de Cáli. Nada, porém, mais marcante do que "La Máquina" alegre e avassaladora.
manolo epelbaum river plate  (Foto: Marcio Mará/ GLOBOESPORTE.COM)
O maior time da "banda roja" (faixa vermelha) encantou a América do Sul de 1941 até o começo dos anos 1950. E, para muitos, só não fez a Argentina ganhar mais Copas do Mundo porque não houve mundial durante a Segunda Guerra. O ataque demolidor, formado por Muñoz, Moreno, Pedernera, Labruna e Loustau - mais tarde reforçado pelo gênio Di Stéfano - funciona como mantra para qualquer saudosista e desperta curiosidade dos mais jovens . Nestor Rossi era um brilhante meio-campo. Carrizo foi o melhor goleiro daquela fase. Vaghi e Rodriguez, na zaga, e Ramos e Iácono, nas laterais, davam segurança à defesa.
Após o anúncio de que o River  faria jogo para as vítimas do acidente aéreo do Torino, torcida aplaudiu e gritou o nome dos jogadores"
Manolo Epelbaum
Mas uma atitude nobre daquele time em 22 de maio de 1949 é que mais emocionou Manolo. A partida era River x Huracán, pelo Campeonato Argentino. Após o terceiro gol, marcado por Labruna, aos 43 minutos do segundo tempo - Di Stéfano e De Cicco fizeram os dois primeiros -, a surpresa foi geral no estádio Monumental de Nuñez.
- .A grandeza de um clube não se mede só pela quantidade de títulos conquistados, de gols marcados ou de jogadores excepcionais. Mede-se também pelos gestos. E um aconteceu naquele dia. O alto-falante do Monumental de Nuñez avisou: "Solicitamos aos espectadores que não abandonem o estádio, pois temos uma notícia importantíssima para dar assim que acabar o jogo." Aí, ficamos curiosos. "O que pode ser? Vamos esperar..." Aí, voltou o alto-falante: "Comunicamos à distinta plateia que hoje assistiu a mais um triunfo do River Plate que daqui a pouco toda a delegação se dirigirá ao aeroporto internacional e partirá com destino a Turim para fazer jogo em benefício das famílias dos jogadores do Torino que nesta semana, em voo entre Manchester e a cidade italiana, morreram vítimas de acidente aéreo no choque do avião com a Basílica de Superga, em Turim." Achei isso comovente... A torcida inteira aplaudiu como se o time já tivesse sido campeão. E gritou o nome dos jogadores.
La maquina river plate 1941Muñoz, Moreno, Pedernera, Labruna e Lousteau. (Foto: Divulgação)
O jornalista, naquele ano apenas um torcedor, lembra que o clube, em tempos sem publicidade ou fornecedor na camisa, bancou os custos. Sem contar que era outra época na aviação. Não se partia de Buenos Aires direto para Turim ou Roma. O voo era Rio-Buenos Aires-Recife-Ilha do Sal-Madri-Paris. Da capital francesa, pegava-se outro avião para Roma. Ou Milão. E de lá para Turim. A viagem era longa para a cidade que ainda chorava a morte de um time inteiro. Tal como o River na América do Sul, o Torino, base da seleção italiana, era a coqueluche na Europa.
La Máquina tinha elenco sensacional. Todos de seleção. Eram os Cavaleiros da Angústia"
Manolo Epelbaum
A partida beneficente no Estádio Comunale de Turim foi realizada quatro dias depois, no dia 26 de maio. E houve empate por 2 a 2 entre o River e o Torino "Símbolo". O ataque do River, treinado por José Maria Minella, foi formado por De Cicco, Col, Di Stéfano, Labruna e Loustau. Di Stéfano e Labruna marcaram os gols dos "milionários". Nyers e Annovazzi fizeram os do "Toro" italiano.
- Aí o River fez o jogo e na volta passou a usar como segunda camisa, em homenagem aos mortos no acidente, a grená do Torino. Há poucos anos, a tiraram. O detalhe é que, dois dias depois da partida,o time teria que atuar pelo Campeonato Argentino como visitante, contra o Racing. Que usava o campo do Boca porque estavam construindo ainda o seu estádio, o Cilindro. A Federação disse que se não desse tempo para o River retornar, teria de pôr em campo os aspirantes. Só que nessa equipe havia Sívori, Prado e outros tantos craques. E debaixo daquele lamaçal que todos fomos ver, meteu 3 a 0 no Racing, que depois viria a ser o campeão de 1949. Porque foi o ano do grande êxodo para a Colômbia... Di Stéfano e Rossi se transferiram para o Millonarios.
Início da paixão
 "La Máquina" conquistou Manolo ainda garoto, quando tinha nove anos. O pai torcia para o Racing, mas o futebol alegre dos craques da camisa de "banda roja" fez o então estudante fazer sua opção.
- Vi um time que, tirando o goleiro, do beque aos cinco atacantes era a Seleção Argentina. O nome "La Máquina" não tem a conotação de máquina que tem aqui. Lá é locomotiva. O elenco era sensacional. Os jogadores passaram a ser chamados de "Os cavaleiros da angústia".  Faziam 1 a 0, 2 a 0 e paravam ali. Às vezes levavam um gol... mas ganhavam sempre. O goleiro não era da seleção argentina porque era peruano., o Soriano. Depois entrou o Amadeo Carrizo. Pedernera foi um ser humano extraordinário. Era um 9 que vinha de trás. Tinha grande categoria e um chute violento. Jogando de trás, fez muitos gols. O Moreno foi um dos maiores que eu vi jogar. Labruna e Loustau eram fantásticos.
O River cair para a segunda divisão é como o Flamengo cair. Uma catástrofe"
Manolo Epelbaum
Esse time tem mais espaço no coração de Manolo do que o campeão da primeira Libertadores, em 1986, e do Mundial Interclubes, no mesmo ano, diante do Steaua Bucareste. E também supera o bicampeão sul-americano em 1996. Não que a vitória por 2 a 0 sobre o América de Cáli, mesmo adversário no primeiro triunfo em 1986, não tenha sabor especial para o jornalista, que por coincidência estava em Buenos Aires no 26 de junho daquele ano e pôde ir ao Monumental de Nuñez presenciar a conquista.
- A equipe de 1996 não marcou, apesar de ter Crespo, Francescoli, Ortega. Mas nada perto dos Cavaleiros da Angústia. Crespo estava iluminado naquele dia. Era um grande atacante. Foi um jogo atípico. Era uma situação incômoda para ver o jogo. Além de estar muito cheio, tinha uma garoa, a emoção estava grande nas tribunas. Muita gente em pé. O clima era final de Copa do Mundo, como em 1978. Mas não sou de sair para comemorar. A minha procissão vai por dentro - disse Manolo, em sua residência, no Flamengo.
O Fla para dividir
manolo epelbaum river plate  (Foto: Marcio Mará/Globoesporte.com)
Nessa época, Manolo já se dividia na paixão pelo Flamengo, que começou em 1956. O time tinha acabado de conquistar o tricampeonato de 1955 e foi a segunda tentativa de Manolo no Rio. Antes, ele vira um Vasco x Botafogo mas não se entusiasmara com nenhum dos dois.
- Em 1956, o River Plate tinha sido campeão, bem como em 1952, 1953 e 1955, depois em 1957. Era um timaço. Não era mais "La Máquina", mas tinha Rossi em fim de carreira. Aí, fui ver Flamengo x Bonsucesso. Estava na arquibancada no gol do lado do Maracanãzinho. Terminou o primeiro tempo, estava 2 a 0 para o Bonsucesso. A torcida reclamava. Eu pouco entendia. Dei dois gols de vantagem para a virada... Terminou 5 a 2 Flamengo. Lembro-me do gol do Dida, um golaço do Evaristo. Joel cruzou a bola, ele deixou passar pelas pernas e deu uma letra. Foi aí que eu vi: esse é o time mais parecido com o River. Joga um futebol alegre.
Dali em diante, a camisa rubro-negra dividiu as atenções de Manolo com a da "banda roja". O jornalista disse que a preferência maior "depende da latitude" em que se encontra. Foi, inclusive, um dos melhores amigos do atacante argentino Doval, maior ídolo do Flamengo entre o fim dos anos 1960 e início dos anos 1970 até o estouro de Zico. Tentou também convencer o então presidente rubro-negro, Hélio Maurício, a contratar um garoto que já surgia na Argentina: Maradona. Como resposta, ouviu que promessas como aquela havia "aos montes" na Gávea.
Encantou-se, como muitos, com o time tri carioca em 1979, tri brasileiro em 1980-82-83 e campeão da Libertadores e do Mundial em 1981. Nesse ano, perdeu a voz na hora de gritar o gol de Andrade, o sexto na goleada por 6 a 0 sobre o Botafogo que devolveu o placar imposto pelos alvinegros em 1972 . Manolo considera essa partida a mais marcante que viu do Rubro-Negro. Aquela geração de Zico, Leandro, Junior, Adílio & Cia., bem como o atual Barcelona de Messi, Xavi e Iniesta, o fazem se recordar dos bons tempos do River. Mas a fase atual o preocupa.
- O River cair para a segunda divisão é como o Flamengo cair. Uma catástrofe. Um golpe brutal. Não somente na esfera esportiva, mas na econômica. Ainda mais que estão estudando proibir os 20 primeiros jogos do clube no Monumental de Nuñez por causa do quebra-quebra. Aí o time não sobe nunca mais.

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