Quando recebe as sazonais visitas dos agentes do Censo, Douglas é um dos cada vez mais raros brasileiros capazes de responder 'camisa 10' quando o formulário pergunta a profissão do entrevistado. Reconhecido desde os tempos de Corinthians por 'Maestro' - não apenas um apelido, mas principalmente uma descrição da tática individual por ele desempenhada - o meia gremista preserva a regência da posse de bola típica dos cerebrais articuladores brasileiros.
É Douglas quem centraliza a organização das suas equipes. No Grêmio, o pé esquerdo do camisa 10 decide quando acelerar a transição ofensiva, ou então o momento para retirar velocidade. Ora o passe é curto, ora é longo, ora o lançamento cruza dezenas de metros, ora a inversão leva a jogada de um lado a outro do campo, ora o disparo potente vai direto ao gol adversário.
Foram estas características que consolidaram a imagem do camisa 10 como um produto tipicamente tupiniquim. Mas a produção de meias clássicos decaiu. Há Douglas no Grêmio, Paulo Henrique Ganso no Santos, o ex-colorado Alex retornando ao país via Corinthians...alguém mais?
Douglas atribui esta recente escassez de regentes com o carimbo de fabricação 100% nacional à obsessão dos jovens pelos dribles e gols. Com o consentimento das categorias de base, segundo ele. O articulador central não é mais a referência das crianças que ambicionam a profissionalização no futebol. A moda agora é ter velocidade, enfileirar marcadores, não é orquestrar do meio-campo as jogadas do time.
- Depende do clube, depende de várias coisas. Isso vem do jogador, da característica do jogador. A molecada hoje com cinco ou seis anos já pensa em pedalar, fazer graça, e fazer gol. Nunca priorizando o passe.- Isso vem da base. O pessoal muda a característica do jogador, com o pensamento de fazer gol para se dar bem, para ganhar dinheiro. Mas não é bem por aí. Se o garoto tiver a característica de jogar parado, de dosar a partida, tem que incentivar, para continuar dessa forma - explicou, para complementar:
É o sucesso do perfil iniciado por Ronaldinho Gaúcho, seguido por Robinho, e herdado por Neymar, que influencia o pensamento dos mais jovens. Ser um camisa 10 perdeu a graça, lamenta o 'Maestro'. Driblar e fazer gol seduz mais do que criar e fazer assistências.
- Está em falta pelo fato das crianças terem o pensamento de ir para cima, eles vêem o Robinho, o Neymar, e todo mundo quer ser igual a eles. É um pensamento da molecada hoje em dia.
Neste restrito quórum de organizadores cerebrais, Douglas busca na memória apenas Ganso e Alex, sequer apresentado pelo Corinthians. E aproveita para lembrar de seus principais inspiradores quando iniciou a carreira, em Criciúma: Alex, ex-Palmeiras e hoje no Fenehrbaçe; e Djalminha.
- Antigamente todo mundo falava do camisa 10, que ele era o craque. Tinha o Zico, o Sócrates, só jogador inteligente. Mudou muito. Hoje em dia não tem mais este pensamento. É o jogador que faz a firula mesmo, como vem sendo há alguns anos, com o Ronaldinho Gaúcho, o Robinho, o Neymar. (...) No Brasil são poucos que jogam assim. Tem o Ganso, o Alex (ex-Inter) que está voltando. (...) Minha referência sempre foi o Alex (ex-Palmeiras). Esse era o cara para mim. O Djalminha eu peguei pouco, mas também era craque. São jogadores extremamente inteligentes - enumerou.
Talvez seja a migração do interesse popular, do camisa 10 para a figura do virtuoso atacante, que motive a procura dos clubes brasileiros por meias argentinos.
Afinal, o país vizinho também venera sua tradição de revelar maestros, lá chamados de 'enganches', como Riquelme no Boca Juniors.
E destacam-se por aqui, centralizando a articulação de suas equipes, estrangeiros como D'Alessandro, Conca e Montillo.
- Existem jogadores na Argentina que podem fazer esse papel, como o Inter tem o D'Alessandro, nós temos o Escudero - que é mais de velocidade, mas também pode cumprir este papel. O pessoal está buscando de fora um recurso para dar uma qualidade maior para o elenco - avaliou.
Mas Douglas não se frustra com a escassez de meias brasileiros à moda antiga. Ele acredita que há espaço para a valorização desta função. Basta, segundo ele, que os treinadores criem mecanismos para abrigar o camisa 10 - como faz Renato Gaúcho no Grêmio.
Desde agosto do ano passado, quando retornou ao clube do coração - agora como técnico - Renato entregou a Douglas a regência da equipe. No 4-4-2 com meio-campo em losango, ele centraliza o camisa 10 e lhe dá liberdade para criar as jogadas tricolores.
- Tem espaço sim, a equipe precisa ter uma estrutura. É o que a gente faz aqui, o que o Renato faz desde que chegou no Grêmio. Vão aparecer mais jogadores com esta qualidade. Só espero que o pessoal possa manter este pensamento de fazer o camisa 10, não mudar a qualidade dele, o jeito dele jogar. No meu modo de ver este jogador é importantíssimo para o grupo - concluiu.
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