Era assim que Marat Garipov, do Cazaquistão, gostaria de convencer o presidente da Confederação Brasileira de Lutas Associadas (CBLA), Pedro Gama Filho, a deixá-lo ser o novo integrante da seleção brasileira de luta greco-romana. Como ele não fala inglês e em russo dificilmente seria entendido, o jeito foi decorar a frase em português para tentar uma conversa durante o Mundial de Moscou, em setembro do ano passado. Em sua luta mais longa e difícil, o vice-campeão mundial da categoria até 55kg suou para se comunicar com a ajuda do tradutor do Google. Mas acabou conseguindo o que queria. Três meses depois, chegou ao Rio de Janeiro com a mochila nas costas.
Sem a ajuda da tecnologia, a vida de Garipov no Rio de Janeiro nos últimos quatro meses seria, no mínimo, muito difícil. O lutador de 26 anos nem de longe tem pinta de nerd, mas um notebook virou sua companhia inseparável desde que decidiu vir morar no Brasil. Além de ajudar no primeiro contato com o presidente, é a ferramenta que utiliza para se comunicar no dia a dia. Isso explica a cara de desolação com que chegou ao treino na última segunda-feira, contando que a tela do aparelho tinha quebrado.
- Aqui, gosta pessoas, mulheres, praia... tem coisa gostosa de comer. Tem muitas exóticas frutas, boa água de beber, caldo de cana, suco, abacaxi. É tudo paraíso – disse.
O idioma não foi a única barreira que Garipov teve de enfrentar para treinar com a seleção brasileira. Ele precisou se adaptar às diferenças culturais, climáticas e religiosas entre os dois países. Diferenças que também renderam boas risadas. Como no dia em que brigou com o amigo Daniel Malvino, o Pirata, por comer com a mão esquerda, ou no dia em que se vestiu todo com o uniforme do patrocinador do esporte, pensando que era uma marca famosa, para passar a noite de Natal na casa de um colega de seleção.
- Eu fui comer com a mão esquerda, e com a direita tomava o suco. Aí ele olhou para a minha cara e disse: “Você está maluco? Are you crazy? Com a mão esquerda a gente limpa o bumbum e, com a direita, a gente pega na comida” – contou, às gargalhadas, o amigo Pirata.
Mesmo morando sem conforto em um apartamento alugado pela CBLA na Tijuca, na Zona Norte do Rio, ele tem se divertido na cidade e já se apresenta com um novo nome em homenagem ao estádio que fica perto de casa: “Garimaracanã”. Visitou o Cristo Redentor, foi à praia e assistiu ao vivo aos desfiles das escolas de samba na Sapucaí. Até coisas simples, como água disponível num bebedouro do Centro de Treinamento e a fartura de frutas nos mercados, deixam o lutador maravilhado.
É claro que não foi apenas a beleza da cidade que o atraiu. Nascido em um país onde a luta olímpica é mais popular que o futebol, Garipov sabia que o caminho até o sonho olímpico ficaria mais curto se estivesse em uma seleção menos badalada. O Brasil, que receberá duas grandes competições (Copa-2014 e Olimpíadas-2016), parecia o lugar perfeito.
- Vim para Brasil porque aqui não tem pessoas de luta greco-romana. Na minha categoria, só uma pessoa. Aqui, pessoas gostam de futebol, jiu-jitsu, praia, mulheres, carnaval, "sambo". Tem futuro Olímpicos Jogos em 2016, onde posso participar para o Brasil - disse, após muito esforço para construir as frases.
Além da saudade da família, que tenta amenizar com contatos pela internet, Garipov terá de superar alguns empecilhos burocráticos para seguir em seu objetivo. Na próxima semana, ela terá de voltar ao Cazaquistão, tirar um novo visto e, depois, retornar ao Brasil. O mais difícil será defender o país que escolheu já para os Jogos Olímpicos de Londres-2012. Ele só poderia lutar por outra nação após dois anos afastado de competições internacionais. Embora sua última disputa, o Campeonato Asiático, tenha sido no dia 15 de maio de 2010, ele não poderia participar da seletiva olímpica, marcada para cinco dias antes do prazo.
- É de interesse da seleção brasileira naturalizá-lo. E o mais interessante é que foi ele quem demonstrou essa vontade. Nós até poderíamos usá-lo nas Olimpíadas, o problema é que não dá para ele participar da seletiva. E, dificilmente, um brasileiro conseguiria garantir uma vaga nesta categoria para depois ser substituído por Garipov – explicou o superintendente da CBLA, Roberto Leitão.
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